Previsão do Tempo

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A 16 de Abril de 665, morreu S. Frutuoso

S. Frutuoso de Montélios e Dume
A CONSCIÊNCIA PESADA DE SANTIAGO DE COMPOSTELA

TEXTO: Suzana Faro e Joel Cleto


Não tivesse o arcebispo de Compostela Diego Gelmirez roubado, em 1102, os restos mortais de S. Frutuoso, até aí guardados na igreja de Montélios, às portas de Braga, e muito provavelmente a História de Santiago de Compostela e a dos seus caminhos de peregrinação seria bem diferente. A disputa de predominância até aí travada entre estes centros da cristandade ficava definitivamente resolvida, a favor dos galegos. Pesar-lhes-á, no entanto, a consciência...
É sobre estas contingências da História que o leitor pode reflectir numa visita à capela de S. Frutuoso de Montélios, monumento nacional com possível origem no século VII e que pelas suas características arquitectónicas únicas está, ainda hoje, envolto em grande polémica e não raras vezes é classificado de misterioso. Não muito distante fica Dume e, um pouco por toda a parte a boa e típica cozinha minhota. Motivos mais do que suficientes para desafiar o leitor a mais uma “Viagem no Tempo”.

Foi longa e mergulhou fundo no tempo, e de forma particularmente evidente a partir do século XI (antes ainda do aparecimento do Estado Português) a rivalidade entre os bispos de Braga e Compostela para serem reconhecidos como o “primeiro” entre os bispos das Espanhas. Se a localidade galega era conhecida em todo o mundo cristão pelo facto de na sua catedral se encontrar o túmulo e as relíquias do apóstolo Santiago, Braga, por sua vez, contrapunha com o culto e respectivas relíquias de quatro santos considerados mártires das perseguições romanas: S. Silvestre, Santa Suzana, S. Cucufate e S. Frutuoso de Montélios. Destes, o mais famoso e objecto de concorridas peregrinações era precisamente S. Frutuoso, considerado o “defensor e patrono de toda a região”.
Nascido na Hungria, na primeira metade do século VII, S. Frutuoso cedo rumou para a Península onde perseguiu uma vida ascética, isolada do mundo. Tendo congregado um grande número de seguidores, viria a instalar o seu primeiro mosteiro nas montanhas leonesas de Bierzo. Peregrinou depois mais para ocidente, nomeadamente na Galiza e na Lusitânia, onde criou cerca de vinte comunidades monásticas, tendo-se tornado bispo de Braga e de Dume, na segunda metade do século VII.
Terá sido nessa época, mais precisamente no ano 660, que segundo a tradição, S. Frutuoso mandou construir em Montélios, sobre uma presumível villae romana, um mosteiroconsagrado a S. Salvador onde, de resto, cinco anos depois, viria a ser sepultado.
As vicissitudes dos tempos seguintes, nomeadamente a invasão árabe e toda a desarticulação do reino visigótico, e os conturbados tempos do início da “Reconquista”, não permitem um cabal conhecimento do que se passou nos séculos seguintes (o que, de resto, dá lugar a diferentes teses sobre a própria origem e traça arquitectónica do monumento, como veremos adiante). Seguro é que, no início do século XI, o culto a S. Frutuoso e a visita às suas relíquias está já profundamente arreigado, “incomodando” o prestígio de Santiago de Compostela. Daí a incursão, muito pouco canónica, do bispo galego Diego Gelmirez que em 1102 espoliou da igreja de Montélios estas relíquias, levando-as para a catedral de Compostela. E se hoje o visitante as pode observar de novo em Montélios é porque, na sequência do Vaticano II, foram devolvidas 864 anos depois (em 1966)!
O templo entrava assim em decadência. Mas seria no século XVIII que praticamente desapareceria. Na origem de tal situação está a construção de um novo convento no local, por parte dos franciscanos, aí instalado desde o século anterior. Com efeito, procurando ampliar as suas instalações monásticas e construir uma nova igreja, os devotos de S. Francisco mutilaram o monumento multissecular, poupando apenas a quadra central, e mesmo esta ficou literalmente oculta no meio das paredes conventuais. Seria necessário esperar até 1897 para que o arquitecto Ernesto Korrodi chamasse a atenção para os vestígios da primitiva capela de S. Frutuoso.
Desde então, a capela de Montélios, classificada como Monumento Nacional em 1944, tem sido objecto não só de significativas intervenções que a libertaram das paredes que a ocultavam, mas também de uma acesa polémica sobre as suas origens cronológicas e filiações estilístico-arquitectónicas, com reflexos no próprio processo de restauro. Na base de tal polémica reside a sua traça arquitectónica pouco habitual: uma planta em cruz grega com os quatro braços iguais inscritos num quadrado, com uma grande simplicidade das fachadas e múltiplos elementos de influência da arte islâmica no seu interior. Indiscutivelmente pré-românica, os estudiosos dividem-se, no entanto, entre aqueles que, não negando uma significativa intervenção nos finais do século X / inícios do XI, defendem que o monumento é visigótico, tendo a sua origem, à semelhança do que lembra a tradição, no século VII. Outros advogam, contudo, que o monumento terá tido a sua origem apenas nos finais do século IX ou inícios do X, denotando não só influências da arte islâmica, mas também asturiana. Estaríamos assim em presença de um monumento que, nas palavras de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, é “um protótipo da arquitectura moçárabe e da Reconquista”.
Monumento ligado à difusão do cristianismo na região, Montélios fica apenas a um quilómetro de Dume. Aí, o leitor encontrará outro dos lugares-chave da cristianização do nosso território. Foi aqui que S. Martinho de Dume (evocado no local com uma estátua), igualmente natural da Hungria e também bispo de Braga, que teve papel decisivo na conversão da corte sueva no século VI, fundou um mosteiro. História e estórias magistralmente narradas por João Aguiar no seu livro “O Trono do Altíssimo” que, tendo como pano de fundo Dume, nada fica a dever a romances históricos com o seu quê de “policial medieval” como “O Nome da Rosa “ de Humberto Eco. É, afinal, mais uma sugestão para viajar no tempo...

Como Chegar

A capela de S. Frutuoso de Montélios localiza-se no lugar com o mesmo nome, na freguesia de Real, às portas de Braga, próximo da estrada nacional que liga esta cidade a Ponte de Lima. O acesso ao monumento está convenientemente assinalado e possui uma razoável área de aparcamento. O local inclui, além da capela de S. Frutuoso, a igreja e o convento de S. Francisco, este último em ruínas à semelhança de um núcleo rural contíguo, mas que valoriza significativamente o lugar. Este conjunto monumental, de onde se desfruta de uma acolhedora paisagem, compreende também uma belíssima, estreita e sinuosa Calçada Antiga que ligava o lugar a Braga. O leitor não dará como perdido o seu tempo se a percorrer. Temos, no entanto, outra sugestão para um percurso pedestre. Depois de passar sob o arco que liga a Calçada Antiga ao convento de S. Francisco depara com um outro caminho que o levará até Dume. Ao longo do trajecto o visitante poderá passar próximo de um balneário romano e da capela de S. Lourenço.

Como Ver
A Igreja de S. Francisco e a sua capela de S. Frutuoso de Montélios, bem assim como o núcleo museológico anexo, podem ser visitados de Quarta a Domingo das 9h30 ás 12h30 e das 14h00 às 17h30. É ainda possível visitar este conjunto monumental às tardes de Terça-feira das 14h00 às 17h30.

Que Comer
Às portas de Braga a diversidade e a oferta da boa cozinha minhota é obviamente muito grande. Deixamos, no entanto, uma sugestão a poucas centenas de metros da capela de Montélios: o Restaurante S. Frutuoso. O menu é extenso e significativamente regional. Aconselhamos, depois da irrecusável morcela de entrada, a vitela à S. Frutuoso, recheada com carne picada. Porém, se o leitor fizer a visita a uma quinta-feira ou sábado não deverá perder o “Pica no chão” (arroz de frango caseiro de cabidela). Para terminar o emblemático Pudim Abade de Priscos, embora os amantes das “bombas-calóricas” em que a nossa doçaria é (felizmente!) tão usual possam provar também da “Gruta da Casa”.

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