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domingo, 25 de abril de 2010

A 26 de Abril de 1937, deu-se o bombardeamento da cidade de Guernica

Avulta entre os mitos mais eficazmente inculcados no património informativo do público o relativo à destruição de Guernica, a vetusta cidade biscaína que alberga os símbolos da liberdade dos povos bascos. Contrariamente ao que é costume afirmar-se, os rebeldes não tiveram nem o monopólio nem sequer a primazia dos bombardeamentos aéreos indiscriminados sobre populações civis. Os governamentais destacaram-se nesse campo sendo Oviedo, Saragoça e Huesca exemplos bem marcantes de cidades massacradas pelo terror aéreo. Os bombardeamentos de Barcelona e especialmente de Guernica, tão propagandeados pela Frente Popular, foram executados por italianos e alemães. Na capital catalã, uma das bombas atingiu um camião de munições, tendo a explosão, assim amplificada, provocado a morte de cerca de 800 pessoas. Em Guernica, um dos grandes mitos da GCE e sede dos símbolos forais das liberdades bascas, terão morrido cerca de 120 pessoas e não os milhares divulgados pelos propagandistas franceses e anglo-saxónicos simpatizantes da causa da Frente Popular. Para colocar a questão na sua devida ordem de grandeza, note-se que, naquela região, só num asalto a uma prisão, detonado por um bombardeamento dos sublevados em que morreram cinco pessoas, foram linchadas 224 pessoas, incluindo sacerdotes e religiosos.
O bombardeamento de Guernica não foi mais que um dos muitos episódios da ofensiva das forças rebeldes a Norte, neste caso na campanha militar para a conquista de Bilbau. Com o impasse em Madrid, nó-górdio da Guerra e, por várias razões (qualidade e quantidade das tropas em confronto), a frente principal, Franco resolveu deslocar o centro de gravidade da guerra para o Norte. Na Biscaia, na Cantábria e nas Astúrias, ainda na posse dos governamentais, encontrava-se quase toda a indústria de armamento e explosivos do país bem como as mais importantes minas de ferro, carvão e zinco. A manobra era arriscada, já que ao diminuir a pressão sobre a Capital, permitia ao Governo recuperar a iniciativa, dispondo de um exército forte, muito bem equipado e organizado, e moralmente reforçado por ter sido capaz de travar Franco. Por outro lado, o objectivo não era simples. A orografia favorecia a defesa e não o ataque, as forças oponentes estavam bem equipadas e eram numerosas embora o seu moral não fosse o mais elevado. A convivência entre forças ideológicas tão díspares como o PNV de José António Aguirre e os seus aliados frentepopulistas nunca foi fácil e a criação de um governo autónomo basco (mesmo que tivesse na sua composição ministros socialistas e comunistas) não veio facilitar as coisas. A agravar essa questão de fundo, o falhanço da reconquista da província basca de Álava, em que 15.000 combatentes, com total supremacia aérea e artilheira, não haviam conseguido levar de vencida 800 revoltosos, entrincheirados em Villareal, não era de molde a alimentar o ânimo. Este desaire valeria a José António Aguire, por chacota, o epíteto deNapoleonchu. As deserções para os sublevados, sobretudo de montanheses cantábricos, eram frequentes; digna de nota foi a fuga para as tropas de Mola de um dos projectistas do conjunto de fortificações (o Capitão engenheiro Alejandro Goicoechea) que o lehendakari Aguirre mandara construir para proteger Bilbau, intitulado Cinturão de Ferro.
A ofensiva poderia ter começado por qualquer das três regiões. A partir de Oviedo, directamente sobre Santander ou sobre a Biscaia. Mola preferiu esta última quer porque tinha a leste (na ocupada Guipúzcoa) e a sueste importantes concentrações de forças basco-navarras, entretanto já organizadas em brigadas e divisões, à semelhança do que fizera Madrid com as suas tropas, quer por haver vários caminhos alternativos para a penetração. Eram 39 batalhões ao ataque contra 50 à defesa; algum equilíbrio em artilharia e supremacia aérea dos sublevados com a entrada em jogo da Legião Condor e dos italianos. Quando o avanço começou a 31 de Março, quer a tentativa feita pelo sul quer, depois, a do Leste, pelo eixo Durango-Guernica, demonstraram a necessidade de suprir a insuficiência artilheira pela arma aérea. A aviação italiana atacou Durango, tendo causado cerca de 200 mortos.
O Gen. Juan Vigón, comandante da 4ª Brigada de Navarra, ao não conseguir transportar a artilharia que necessitava (retida na conquista dos montes Intxortas) para envolver a área a Norte de Durango, anuiu na colaboração da Legião Condor, proposta por Wolfgang von Richthofen. As acções requeridas, de natureza táctica, tinham por objectivo, por um lado, fustigar o inimigo que recuava da frente de Marquina permitindo assim acelerar o avanço da Infantaria e, por outro, destruir os acessos aos caminhos de fuga, em direcção a Bilbau. É provável que o comando alemão pretendesse infligir um castigo exemplar ao inimigo em debandada para colher os louros de uma rendição precipitada ou até para vingar o linchamento do seu piloto que tivera de saltar em pára-quedas, em Bilbau. Talvez por isso tenha decidido, por sua conta e risco, envolver meios aéreos superiores aos necessários para responder às necessidades de Vigón.
No dia 26 de Abril, o conjunto urbano Guernica-Luno, com perto de cinco mil habitantes de acordo com o último censo de então, a que há ainda que descontar mais de 370 jovens a cumprir o serviço militar, foi atacado pela aviação ao serviço dos sublevados. O ataque iniciou-se com a missão exploratória de um bimotor Dornier-17 da Legião Condor, seguido pela passagem de três Savoia Marchetti-79 italianos (saídos de Soria) que sobrevoaram e bombardearam, com 12 bombas de 50 Kg cada, a parte oriental do objectivo cerca das 16h20m, sem causar grandes estragos. Seguiram-se dois bimotores alemães Heinkell-111. Duas horas depois a Legião Condor atacou em força a povoação, com três esquadrilhas, em tandem e em cunha, lançando mais de 20 toneladas de bombas, de fragmentação (250 e 50 Kg) e incendiárias com retardamento (1 Kg). A única passagem dos aviões fez-se de Norte para Sul, paralelamente ao eixo do caminho-de-ferro, desde o mar, passando pela ponte de Rentería, sobre o rio Oca, aparentemente o verdadeiro objectivo militar do bombardeamento. A força atacante foi constituída por 18 ou 19 Ju-52, escoltados por 10 caças italianos Fiat-32. As condições do vento que soprava de nordeste com muita força, associadas à grande quantidade de pó e fumo provocados pelas vaga da frente, bem como a inexperiência da maior parte dos pilotos da Legião Condor propiciaram o erro técnico que esteve na origem da destruição de parte da povoação. Cerca de um quinto da área urbana ficou arrasado, por impacto ou explosão, mas os incêndios que se propagaram nas horas imediatas acabariam por afectar praticamente 70% dos edifícios. Contudo, a parte histórica, incluindo o lendário carvalho, salvou-se da destruição, ao contrário do que os propagandistas afectos à Frente Popular sempre afirmaram, por ignorância ou má-fé.
Mais de um quarto dos mortos resultou da derrocada de um refúgio inacabado, o deSanta María, indevidamente utilizado, segundo afirma Cástor Uriarte. Este responsável municipal pela Protecção Civil dá uma cifra global inferior a 250 pessoas mortas, indicando também, para além do refúgio, o Asilo Calzada e o princípio da estrada de ligação a Luna, como os de maior densidade de mortos. A maioria dos habitantes assistiu ao bombardeamento a partir das colinas envolventes, onde haviam procurado um refúgio mais eficaz.
O interesse militar de Guernica, ao contrário do que normalmente se afirma, era bem significativo já que na localidade existiam importantes indústrias bélica e quatro aquartelamentos militares. Aparentemente, o objectivo da aviação militar não eram essas instalações logísticas mas sim, como já se disse, tentar cortar a retirada ao Corpo de Exército basco, impedindo-o de atravessar a ria de Mundaca a fim de se refugiar na linha protectora Bermeo-Guernica, cintura avançada de Bilbau. Contudo, a decisão do General Mola em manter o eixo de marcha da 1ª Brigada Navarra sobre Durango acabou por retirar qualquer consequência militar ao bombardeamento táctico de Guernica.
Rafael Casas de la Vega, no seu livro, Errores Militares de la Guerra Civil, dá nota de uma conversa que teve em França com o cónego Alberto de Onaindía que, ao ir buscar sua mãe à zona de Marquina, fora testemunha involuntária do bombardeamento. O religioso, autor de um livro intitulado, Hombre de paz en la guerra, onde relata com seriedade o que viu, contou-lhe como no regresso da viagem se havia encontrado com o lehendakari Aguirre, seu amigo. Este, ao aperceber-se do alcance político que a publicidade internacional sobre o caso estava a trazer à causa basca, pediu-lhe que, uma vez em França, tentasse divulgar ainda mais o bombardeamento de Guernic.
Cabe perguntar porquê Guernica e não Durango (bombardeada pelos italianos) onde o número de baixas fora maior!? Com a intervenção germânica conhecida, os sectores que em Londres mantinham uma tensa vigilância à política expansionista alemã, também não descuraram a oportunidade de meter os alemães em cheque. O correspondente do The Times, Lowther Steer, vendo a oportunidade, rapidamente editou um livro em que a verdade surgia distorcida, empolando ao exagero a acção da Legião Condor. A publicação, como seria de esperar, calou fundo em muitos sectores conservadores britânicos, até aí mais inclinados para a causa rebelde.
Todas essas campanhas internacionais, dirigidas com grande dinamismo, contaram com o paradoxal apoio do Comando dos insurrectos e dos meios informativos ao seu serviço. Estes empenharam-se em negar o facto, por demais evide, atribuindo a destruição e o incêndio da vila às tropas bascas em retirada (maioritariamente constituídas por comunistas e anarquistas), à semelhança do que estes haviam comprovadamente feito em Irún e em Eibar, aplicando a táctica da terra queimada. A provável mentira total só veio amplificar ainda mais o mito de Guernica.
Criou-se assim mais uma lenda negra que procura fazer acreditar que o ataque tinha como objectivo estratégico deliberado a destruição da vila e, concomitantemente, dos símbolos da identidade e liberdade bascas. A tese romântica de que a Legião Condor pretendia destruir esse conjunto emblemático é desmentida, com evidência, pelo próprio facto da Casa de Juntas (ou dos Fueros) e a Arbola terem ficado indemnes. Posteriormente, em 1976 viria a surgir uma prova documental irrefutável, constituída pelas ordens de combate do destacamento aéreo italiano (ordem de operação nº 48 do Comando do Grupo do aeroporto de Soria), encontradas por Massimo Olmi em 1976 e publicadas por Jesús Salas. Nelas, para além de se confirmar a efectiva participação dos italianos na operação (sempre desmentida ou ignorada), afirma-se que o objectivo é o bombardeamento da ponte de Guernica e que a povoação, por evidentes razões políticas, não deve ser bombardeada.
Com o intuito de dourar a pílula, Guernica é sempre apresentada como uma área aberta, sem o menor interesse militar, o que, como já vimos, não correspondia à verdade. Para marcar ainda mais a imagem de idílica localidade e, quiçá, aumentar o hipotético número de vítimas, fala-se ainda do facto de o dia 26 de Abril ter sido dia do mercado semanal a que haviam ocorrido todos os lavradores da região; assim, o descontraído e pacífico encontro rotineiro, teria sido dispersado pelo inesperado e mortífero ataque da aviação alemã. A realidade, porém, é que o mercado bem como o jogo de pelota que normalmente lhe sucedia havia sido cancelado face à proximidade da frente, a menos de 15 Km, e à avalanche de tropas bascas em retirada, apenas tendo estado presentes um pequeno número de lavradores inadvertidos.
Guernica também passou à História como o paradigma dos ensaios da estratégia aérea. Das declarações de Goering aos investigadores ingleses Maier e Sender, durante o julgamento de Nuremberga, pretenderam alguns inferir que a Legião Condor havia usado a Guerra Civil de Espanha como banco de ensaio de novas armas e materiais para a Luftwaffe. Se o fez, não foi certamente em Guernica já que o grosso dos aviões utilizados pelos alemães era, já na altura, considerado tecnicamente ultrapassa. As bombas foram as padronizadas para as Forças aéreas alemã e italiana, sem qualquer inovação. Resta apenas considerar Guernica como uma experimentação das teses do General Douhet sobre o emprego da arma aérea, o que estava formalmente proibido por Franco e Mola, quanto mais não fosse pela protecção devida às numerosas quintas-colunas.
Outro dos testemunhos amiúde invocados como justificadores da agressão gratuita, é o do ás da Força Aérea Alemã, Adolf Galland. No seu livro Os primeiros e os últimos, Galland afirma que os pilotos da Luftwaffe que haviam estado na Legião Condor não gostavam de falar sobre Guernica. Alguns historiadores para realçar o embaraço do ás alemão, dão-no mesmo como tendo participado na operação. Ora Galland só desembarcou em O Ferrol, a 7 de Maio; graduado em capitão, iria comandar uma esquadrilha de caças bi-planos Heinkel-51, alcunhada Mickey Mouse e apenas teria o seu baptismo de fogo na batalha de Brunete. No princípio dos anos 80, tive oportunidade de conversar com Galland durante um festival aeronáutico em Falcon Field, um aeródromo nos arredores de Phoenix, Arizona, e o velho general confirmou-me que, tanto quanto tinha conseguido saber, o bombardeamento de Guernica, fora mesmo um exercício aéreo de iniciativa alemã, sob o pretexto do ataque à ponte sobre o Rio Oca (já a cargo dos italianos), destinado a estudar a sincronização do bombardeamento em passagens agrupadas, com o deficiente equipamento aéreo então disponível. No entanto, insistiu que, das conversas que teve com os seus camaradas que haviam participado na operação, colheu a certeza de que o núcleo urbano sempre estivera fora dos objectivos delineados e que só as más condições de vento e de visibilidade, e a inexperiência dos apontadores, permitiram o resultado que a História registou. Como muitos outros que não testemunharam presencialmente os factos mas que sabiam não ser (totalmente) verdade a estória divulgada pela propaganda dos sublevados, Galland estava mesmo convencido de que da agressão aérea resultara num número de vítimas considerável. Quando lhe expliquei que isso era materialmente impossível e que, de acordo com os dados que então conhecia, o número de mortos não deveria ultrapassar 250, ficou deveras surpreendido e comovido.
Guernica de Picasso
Mas a imagem distorcida e falsa ficou e muito dificilmente se poderá repor a verdade. Em Guernica, o Mito superou a História e acabou por ficar imortalizada pelo genial pincel de Picasso que, com o seu famoso quadro, consolidou uma lenda que muito dificilmente alguém corrigirá. Picasso havia sido nomeado Director do Museu do Prado em Agosto de 1936 mas nunca tomou posse. Com toda a probabilidade, achava que, naqueles tempos, os ambientes franceses eram mais propícios à sua criatividade …
Em Janeiro de 37, Max Aub, adido cultural da embaixada espanhola (frentepopulista) em Paris, tinha contratado Picasso para a realização de um mural ou painel para ilustrar o Pavilhão de Madrid na EXPO (universal) a realizar na capital francesa. O valor acordado foi 150.000 francos franceses, o qual lhe foi pago em 28 de Maio de 1937 (e o recibo assinado a 31), a título de gastos, classificado na rubrica contabilísticaPropaganda de acordo com o documento que se encontrou nos arquivos pessoais de Luís Araquistáin, na posse de seu filho Ramón, de alcunha Finki.
Não é que credível que, face à responsabilidade da encomenda (e do seu valor, que correspondeu a mais de 10% do custo total do Pavilhão espanhol), o pintor só o começasse a executar a 1 de Maio como reza o mito quando a EXPO deveria abrir a 23 desse mês, para comemorar o 1º centenário do Arco do Triunfo. Foram razões imponderáveis, relacionadas com um surto grevista em França que protelou a abertura dos vários pavilhões. A não ser que Picasso tivesse o dom da presciência, seguramente não era em menos de um mês que conseguia pintar um painel com 3,5 m por 7,77 m e 300 kg de peso. Resta serena e logicamente concluir que o mesmo foi iniciado muito antes de 1 de Maio. Ora, o ataque aéreo a Guernica aconteceu em 26 de Abril…
O quadro, que segundo o seu autor demorou a fazer sessenta dias, foi dado por concluído entre 6 e 8 de Junho pela sua amante da altura, a fotógrafa e pintora jugoslava Dora Maar, que terminou o painel nos detalhes que Picasso considerava mais cansativos e monótonos. Foi entregue formalmente em fins de Junho e colocado no seu lugar, no Pavilhão espanhol, em 11 de Julho. A 28 de Maio, no exacto dia em que recebeu os 150.000 FF, Picasso efectua uma declaração contra a posição fascista dos rebeldes franquistas e afirma que chamará Guernica ao mural em que está a trabalhar… Esta Declaração foi feita por exigência do embaixador de Madrid em França, Luis Araquistáin, para combater o boato que corria em alguns meios intelectuais e na imprensa da altura que dava Picasso como simpatizante de Franco.
Nunca uma acção tão limitada nos seus fins e tão reduzida nos meios que utilizou teve tanta repercussão nem tamanha projecção universal.

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