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domingo, 4 de abril de 2010

A 4 de Abril de 1931 deu-se a Revolta da Madeira

Estudos recentes têm demonstrado que a revolta da Madeira tem, na sua origem, causas
regionais específicas: descontentamento provocado pela crise económica (crise das exportações
tradicionais, do turismo, das indústrias dos bordados, dos lacticínios e desemprego crescente),pela
crise financeira (falência das principais casas bancárias madeirenses) e pelo consequente
reavivar dos sentimentos autonomistas. O Decreto 19.237 de 26 de Janeiro de 1931, sobre o
regime cerealífero que estabelecia o monopólio da sua importação como forma de regularizar o
seu comércio – originando o aumento do preço do pão – fora o detonador de levantamentos
populares acompanhados de tumultos e do encerramento do comércio nos primeiros dias de
Fevereiro. A 6 de Fevereiro, a greve dos estivadores fez despoletar a convulsão social que
levou ao assalto das moagens e a várias manifestações populares. Esta revolta popular é
chamada revolta da farinha, dado que o governo decidira suspender a importação de farinha,
aumentando o preço do pão, o que serviu de pretexto para uma revolta que dura de 5 a 11 de
Fevereiro de 1931. No dia 25 de Fevereiro estruturas anarco-sindicalistas e comunistas
organizam greves e manifestações, em várias localidades, exigindo liberdade sindical e
medidas de combate ao desemprego.
A ditadura suspendera o decreto, mas enviara a Companhia de Caçadores 5 para a ilha
capitaneada por um «Delegado Especial do Governo» o coronel Silva Leal, porém, à sua
chegada, a 9 de Fevereiro, havia regressado a normalidade. A acção deste agente do Governo
sobre os revoltosos granjeara-lhe grande impopularidade entre a população e militares, porque
foi o grande responsável pela repressão e deportação daqueles. Se tivermos em conta todos os
relatórios oficiais e a maioria dos depoimentos chega-se à simplista conclusão que esta foi uma
expressão de revolta contra a prepotência do Governador Civil, José Maria de Freitas e o
Delegado Especial do Governo, coronel Silva Leal. A arrogância e falta de tacto que
demonstrara, as medidas repressivas que adopta, a invasão das competências dos oficiais da
guarnição militar local e o facto de vários oficiais do contigente vindo do Continente serem já
notórios oposicionistas – são factores que vão contribuir para a eclosão do movimento.
É deste núcleo de oficiais vindos do Continente – sobretudo do tenente Manuel Camões –
que parte a conspiração, em colaboração com parte da oficialidade local. Ela será inicialmente
hostilizada pela grande maioria dos oficiais e políticos deportados na Madeira entre os quais se
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contavam alguns chefes do movimento de Fevereiro de 1927, como o general Sousa Dias, os
coronéis Freiria e Mendes dos Reis, o major António Varão, ou os capitães Carlos Vilhena e
Sílvio Pélico. Na realidade, os deportados não participarão nas operações desencadeadas às 7 da
manhã de 4 de Abril e vitoriosamente concluídas, três horas depois, com as autoridades presas
e os serviços públicos ocupados pelos revoltosos.
Só depois disso, e de difundida a «Proclamação ao Exército e à Nação» que declara que
só obedeceria a um governo republicano que restaure as liberdades democráticas e restabeleça
uma constituição por eleições livres se obteve a adesão dos principais vultos militares da
deportação que, sob a presidência de Sousa Dias, integrarão a Junta Revolucionária. O chefe
civil é o antigo ministro Pestana Júnior. Apelam também à revolta das unidades militares do
Continente, dos Açores e das colónias. Ao contrário, nos Açores e na Guiné, a iniciativa
revolucionária – nalguns casos já há algum tempo congeminada – parte dos núcleos de
exilados, que, apoiados na força do exemplo madeirense e com a colaboração de alguns oficiais
tomam conta das raras e pouco numerosas guarnições locais.
Ingleses, norte-americanos e brasileiros decidem criar uma zona neutral nalguns hotéis do
Funchal. Os oposicionistas no exílio, sob a liderança da chamada Liga de Paris, chegam a falar
na constituição de uma República da Atlântida.
Nos Açores,sob o comando de militares e civis deportados, nomeadamente o comandante
Maia Rebelo, o capitão de mar e guerra João Manuel de Carvalho, o major Armando Pires
Falcão (pai da jornalista Vera Lagoa) e o sidonista Lobo Pimentel, aderem à revolta as ilhas de
S. Miguel, Terceira, Graciosa e S. Jorge. A 17 de Abril, também com alguns pretextos de
natureza local na Guiné, prendendo o governador e não encontrando resistência, forma-se então
uma Junta Revolucionária que formula a mesma reinvindicação a Lisboa. Em Moçambique e em
São Tomé a revolta falha, sendo os insurrectos presos. As principais esperanças dos revoltosos
da Madeira depositam-se no apoio das unidades da Metrópole. Poucos dias depois da tomada
do poder na Madeira, partem para Portugal delegados da Junta para preparar a revolta no Norte
e alguns desembarcam no Algarve. Uma das dimensões estratégicas da revolta seria a de atrair
as melhores unidades à ilha, deixando o Continente desprotegido.
Os revolucionários madeirenses não tinham excessivas ilusões. A única esperança de
sucesso do seu movimento – e afinal o seu real objectivo – era vir a provocar o levantamento
no Continente. E esperavam uma de duas coisas: ou o Governo desguarnecia a sua retaguarda
enviando do Continente contra a Madeira as suas «tropas fortes» fiéis e melhor armadas – e
criava a oportunidade para uma acção revolucionária vitoriosa no Continente ou enviava
«tropas fracas», susceptíveis de se passarem para os rebeldes, podendo infligir -se à ditadura
uma derrota de imprevisíveis consequências.
Não se verificou nenhuma delas. Por um lado, demonstrando saber o terreno que pisava,
o Governo enviará nas expedições para a Madeira «tropas mistas», não descurando a segurança
no Continente e assegurando-se da disciplina dos efectivos expedicionários. Por outro lado, a
revolta não terá na Metrópole eco revolucionário imediato, apesar do recrudescimento da
agitação estudantil e popular instalada após a implantação da II Republica espanhola, em
meados de Abril, e das grandes manifestações populares motivada pela morte de um estudante
de Medicina do Porto, em Maio desse ano, na sequência da greve académica então
desencadeada.
Com início a 25 de Abril, a greve dos estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa
expande-se às três universidades. É prevista uma assembleia geral dos professores para
tratamento de assuntos pedagógicos, com movimentação de estudantes republicanos. O
Ministro da Educação demite o Reitor e encerra a Universidade. É nomeada nova equipa
reitoral, com o professor de Medicina João Duarte de Oliveira, a reitor, e Luís Cabral de
Moncada, como vice-reitor. Uma carga policial na Faculdade de Medicina do Porto origina um
morto – João Martins Branco estudante do Instituto Industrial – cujo funeral naquela cidade, a
30 de Abril, é uma impressionante manifestação contra a ditadura. O dia 1 de Maio foi marcado
em Lisboa por tumultos e escaramuças entre numerosos grupos de civis e tropas da G.N.R. e do
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Exército. A 9 de Maio, convocadas pelo Partido Comunista Português verificam-se novas
manifestações e choques com a polícia e a G.N.R. em Lisboa e no Porto. Manifestações,
contramanifestações, confrontos com apoiantes da União Nacional e da Liga ao Grémio
Lusitano (Maçonaria), vão prolongar-se até fins de Maio. Mas não se passa disso. O
reviralhismo não tivera condições para secundar a revolta das ilhas.
O Governo sabia o perigo de deixar prolongar, sem imediata resposta a revolta insular:
não só ela fornecia ao republicanismo uma base territorial estável para legitimar a eventual
proclamação de um governo que se reivindicasse da verdadeira legalidade constitucional,
criando fortes embaraços aos «usurpadores» de Lisboa como se poderia constituir uma base de
assalto ao Continente e de permanente subversão – entre os ditadores não haveria de
desconhecer-se a história das revoltas liberais...
Nesta aflição de defender a retaguarda e preparar a toda a pressa expedições militares
contra as ilhas, valeu à Ditadura, há que salientá-lo, o decisivo apoio do Governo britânico que
nunca escondeu a sua clara simpatia pelo regime instalado e, mais precisamente, por Salazar.
Perante a «ansiedade do governo face à revolta na ilha da Madeira», o embaixador
britânico, Sir Francis Lindley, pede a intervenção de navios de guerra britânicos ancorados no
Tejo, que desembarcaram tropas na Madeira, mas não participam no conflito interno,
limitando-se a dissuadir a interferência de outros poderes na zona vital dos arquipélagos.
Simultaneamente, e a pedido insistente do Governo português, o Foreign Office autoriza a
venda de armamento expressamente para apoiar a ditadura militar ameaçada, aceitando o
argumento de um dos responsáveis do desk para Portugal: de que «sem dúvida que o regime é
uma ditadura. Mas é mais representativo do que qualquer dos desacreditados governos
anteriores». A medida, segundo o mesmo funcionário, «ajudaria a reforçar o efeito da visita do
príncipe de Gales», que, com o duque de Kent, se desloca significativamente nessa altura em
visita oficial a Lisboa. Em Maio desse ano, a embaixada podia concluir, pela pena de um dos
seus diplomatas, que «os portugueses (...) compreenderam que foram os esforços de Sir Francis
Lindley com o esforço do Governo de S. M. no Reino Unido e os navios de S. M. que salvaram
o país de mergulhar na anarquia».
Afiançado no apoio político e material inglês e relativamente seguro quanto ao
Continente, o Governo faz seguir logo a 7 de Abril, a primeira expedição militar comandada
pelo coronel, Fernando Borges oficial destacado na repressão dos movimentos de Fevereiro de
1927. Vai, logicamente começar pela parte fraca da revolta, ou seja, pelos Açores porque, ao
contrário do que sucedeu na Madeira os militares não tiveram apoio popular. Chegado à Horta
– que se mantivera fiel – a 12 de Abril, com o apoio de vários navios de guerra, entretanto
chegados de Lisboa impõe a rendição, sem luta entre 17 e 20 de Abril a todos os focos rebeldes
açorianos.
A 24 de Abril, larga da capital com destino à Madeira, a segunda expedição militar,
seguida do Niassa, no dia seguinte, onde embarca o ministro da Marinha Magalhães Correia
que iria comandar as operações.
Estas iniciam-se a 26 de Abril com uma frustrada tentativa de desembarque no Caniçal,
concretizada no dia seguinte na Ponta de São Lourenço. A resistência, com evidente desvantagem
de homens e, sobretudo de material para os revoltosos, prolonga-se até ao dia 2 de Maio,
quando a Junta Revolucionária se rende sem condições sendo presos os seus chefes. Finalmente,
a 6 de Maio, na Guiné, os insurrectos enviam uma mensagem de rendição sem condições.
Apesar de se terem colocado sob protecção inglesa no navio London, que se tinha
dirigido à ilha para proteger pessoas e bens ingleses, os principais dirigentes da revolta,
nomeadamente Sousa Dias e cerca de 120 revoltosos foram conduzidos a terra e entregues às
autoridades, sendo imediatamente deportados para Cabo Verde. Saliente-se aliás a colaboração
inglesa na jugulação da revolta, quer em termos estratégicos, quer no fornecimento de material
militar ao governo da ditadura.
Após 28 dias (de 4 de Abril a 3 de Maio) de intensa liberdade regressou tudo à
normalidade do regime.

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