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quinta-feira, 8 de abril de 2010

A 9 de Abril de 1626, morreu Francis Bacon


Bacon

Francis Bacon (1561-1626) é, o grande inspirador do enciclopedismo moderno. O objectivo máximo de toda a sua obra consiste em promover o progresso sistemático dos conhecimentos, de forma a que as aplicações práticas das ciências permitam aumentar o bem estar da humanidade e eliminar, de raiz, a causa de todos os conflitos e sofrimentos. Como Bacon escreve: 
"Que os homens considerem quais são os verdadeiros fins do conhecimento e que não o procurem nem pelo prazer da mente, nem pelo contentamento, pela conquista de superioridade face a outros, por proveito, fama, poder ou qualquer outra dessas coisas inferiores mas para benefício e uso da vida e que o aperfeiçoem e dirijam com caridade" (Prefácio à Instauratio Magna, ed. Spedding, IV: 20-21).
Trata-se de um objectivo simultaneamente cognitivo, ético e político que vai exigir de Bacon uma acção conjugada em diversas frentes: uma acção crítica, de combate às doutrinas dominantes, de denúncia dos procedimentos lógicos usuais, de destruiçãodos hábitos mentais correntes (teoria dos idola); uma acção de instauração de novos métodos que faz de Bacon o grande mentor do experimentalismo da ciência moderna, e uma busca efectiva de elementos de uma nova filosofia da natureza fundada nessa nova metodologia indutiva e exploratória; uma acção de ordenação e classificação dos saberes já alcançados que permita perceber o que não se sabe e orientar nesse sentido os esforços do conhecimento; e finalmente, uma acção política que, à falta de poder para dar origem a transformações efectivas, se traduz na criação literária e utopista.
Profeta das necessidades organizativas da ciência nascente, Bacon assume em New Atlantis (1627) a tarefa de apelo e encorajamento à colaboração dos sábios defendendo que é ao estado que compete criar as instituições de investigação e ensinode que a ciência moderna necessita.

Digamos que o modelo atópico da "ilha de Bensalém", na qual reina a mais magnífica harmonia e prosperidade, decorrente dos progressos alcançados pelos sábios da "Casa de Salomão", inteiramente dedicados como são "ao estudo das obras e criaturas de Deus" (New Atlantis, ed. Spedding, III: 145), isto é, "à descoberta da verdadeira natureza de todas as coisas" (New Atlantis, ed. Spedding, III: 146), surge aqui com todo o poder catalizador de uma utopia

Efectivamente, a ideia baconiana de uma "república de sábios" recolherá alargados apoios e inspirará o movimento nascente de constituição das academias, nomeadamente, através de Leibniz e Oldenburg (1615-1677), primeiro secretário da Royal Society e grande admirador de Bacon.

Para essa obra, Bacon previa 130 secções divididas em seis partes. A primeira -Partitiones Scientiarum - faria o balanço dos diversos saberes científicos existentes, relativos à Natureza (astronomia, meteorologia, geografia, mineralogia, vegetais e animais), ao Homem (anatomia, fisiologia, poder e estruturas sociais, acção) e à acção do Homem sobra a Natureza (medicina, química, artes visuais, sentidos, emoções, faculdades intelectuais, arquitectura, transportes, imprensa, agricultura, navegação, aritmética, etc). Balanço que deveria ser acompanhado da indicação dos pontos "deficientes" e da sugestão de formas de resolver essas imperfeições, tanto no que diz respeito ás novas "direcções de execução do trabalho" como à apresentação de "exemplos já realizados do trabalho a desenvolver" (Distributio Operis, ed. Spedding, I: 135).

A segunda parte - De interpretatione Natura - seria constituída pela apresentação detalhada de uma nova e fecunda metodologia - a lógica indutiva - que permitiria alargar o campo do que se sabe, não por generalizações falaciosas, mas por procedimentos inventivos capazes de permitir uma exploração activa do universo e da diversidade dos seres que o habitam. Como diz Bacon, 
"o que as ciências necessitam é de uma forma de indução que permita analisar a experiência e, por um processo adequado de exclusão e rejeição, conduzir a uma conclusão necessária" (Distributio Operis, ed. Spedding, I: 137).

A terceira parte - Phaenomena Universi - seria constituída por uma colecção de factos e acontecimentos de todos os campos da experiência, visando a constituição de um "Alfabeto do Universo" que deveria funcionar como base de aplicação do novo método.

A quarta e quinta partes - Scala Intelectus  e Prodomi sive anticipationes philosophiae secundae - ofereceriam alguns exemplos bem sucedidos da aplicação, respectivamente, do novo método inventivo proposto por Bacon e dos métodos antigos. Finalmente a sexta parte - Philosophia secunda sive Scientia Activa - não apenas incompleta e inconcluída mas intencionalmente vazia, por escrever. Como Bacon declara: 
"a conclusão desta parte é algo acima das minhas forças e para lá das minhas esperanças. Eu fiz o começo do trabalho - um começo que, espero, não seja destituído de importância - a fortuna da raça humana chegará ao fim ainda que um tal fim, nas presentes condições das coisas e dos homens, não possa facilmente ser concebida ou sequer imaginada. Disso dependerá não apenas a felicidade contemplativa mas todas as fortunas da humanidade e todo o seu poder" (Distributio Operis, ed. Spedding, I: 144).

Estamos pois perante uma obra que, mau grado o estado de incompletude e inacabamento em que se encontra, permite identificar os contornos do grandioso projecto enciclopedista de Bacon. Mais do que uma obra definitiva e acabada que reunisse a totalidade dos conhecimentos adquiridos pela humanidade, a enciclopédia é para Bacon, como será para Leibniz e para os enciclopedistas franceses, uma obra colectiva e aberta cujo acabamento é tarefa a ser progressivamente realizada, mediante a necessária conjugação de esforços dos sábios de todas as nacionalidades articulados em instituições científicas, à época em grande parte ainda por inventar. Não se pense porém, diz Bacon
"que esta minha Instauratio é algo de infinito e para além dos poderes do homem. (...) se não é possível completar o trabalho numa geração, há que fazer de maneira a que essa tarefa possa ir passando de geração em geração" (Prefácio à Instauratio Magna, ed. Spedding, IV: 21).

Trata-se de pedir aos homens que, pondo de lado "todas as emulações e preconceitos em favor desta ou daquela opinião, juntem os seus esforços para o bem comum e que (...), agora isentos e guardados pelas seguranças e ajudas relativamente ao aviso quanto a erros e impedimentos do caminho, se excedam a si próprios e tomem parte naquilo que está ainda por fazer" (ibid.). 
Mais do que o balanço dos conhecimentos já adquiridos, o que Bacon faz é o catálogo imenso do que está ainda por descobrir. Como dirá D'Alembert, o génio de Bacon consistiu em ter verificado que, sendo impossível escrever a história do que os homens já sabem, disse aos homens: "Eis aqui o pouco que já sabeis, eis aqui o que vos resta procurar" (Discours Préliminaire de l'Encyclopédie: 91).
Tal não significa que a obra, e os progressos da investigação que ela necessariamente irá reflectindo, possam e devam ser deixados ao sabor de condicionalismos circunstanciais.Ao contrário, a obra obedece a um rigoroso plano orientado por uma nova metodologia de investigação experimental que, permitindo um "mais perfeito uso e aplicação das capacidades intelectuais humanas" (Prefácio à Instauratio Magna, ed.Spedding, IV: 18), permita a exploração sistemática do mundo natural e humano. A ordem enciclopédica é assim meramente lógica, algo a conquistar pelas faculdades humanas, nada tendo já a ver, como em Lull, com uma qualquer aderência à ordem do mundo.

Confrontado com uma realidade natural pensada como "floresta" ou "labirinto", metáforas recorrentes na obra de Bacon e que traduzem a dessacralização do mundo subjacente ao advento da ciência moderna, é ao homem e às suas capacidades lógicas e metodológicas que cabe, daqui para a frente, a tarefa da sua ordenação. Nesse sentido, é necessário sistematizar os saberes já alcançados, recenseá-los, classificá-los, para os poder articular. Assim se explica que, para Bacon e para aqueles que vão assumir-se como seus continuadores, uma classificação dos saberes que acompanhe os desenvolvimentos efectivos das ciências particulares, passe a constituir um instrumento norteador da elaboração da enciclopédia.

Obra que espelha a estrutura activa e heurística do projecto enciclopedista de Bacon, aInstauratio Magna está por isso ordenada, menos para reflectir e mais para construir a unidade do mundo e a convergência dos saberes que sobre esse mundo o homem vai conquistando. 
"Não se trata, diz Bacon, de defender uma opinião mas de realizar um trabalho (que tem por objectivo) a utilidade e o poder dos homens" (Prefácio àInstauratio Magna, ed. Spedding, IV: 21).
Se, como faz notar Marta Fattori (1984: 119), Bacon não usa nunca, para referir o seu projecto de uma Instauratio Magna, a palavra "enciclopédia" que, no entanto, não era nem nova nem rara na sua época, é porque, para Bacon, mais do que conservar, recapitular, expor (é esse, em grande medida o objectivo do enciclopedismo que o precede), importa recomeçar, criar, desenvolver. Esse será o novo papel que, justamente a partir de Bacon, a enciclopédia a si mesma se irá atribuir: contribuir para o conhecimento prospectivo da natureza. É certo que, como diz Bacon, 
"o homem não é senão o escravo e o interprete da natureza" (Distributio Operis, ed. Spedding, I: 144). 
Mas é igualmente verdade que
"a natureza não pode ser comandada senão por quem lhe obedece" (ibid)

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