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terça-feira, 4 de maio de 2010

A 5 de Maio de 1818, nasceu Karl Marx

A ÉTICA DE KARL MARX (1818-1883)
Ramiro Marques
A Vida
Karl Marx nasceu, em Trier, numa família burguesa de origem judaica, embora convertida ao protestantismo luterano, mais por razões de conveniência social do que de fé. Foi estudar para a Universidade de Berlim aos 18 anos e doutorou-se em filosofia em 1841, pela Universidade de Iena, com uma tese sobre o materialismo de Heraclito e Parménides, optando por seguir uma carreira jornalística na Gazeta Renana, onde publicou os seus primeiros textos de apoio à luta dos camponeses pobres alemães. A proibição da Gazeta Renana iria provocar uma primeira grande mudança na vida de Marx: a impossibilidade de seguir uma carreira jornalística iria levá-lo a abandonar a Alemanha. Em 1843, com 25 anos, casa com Jenny von Westefalen, que fora sua namorada desde a puberdade. Aos 27 anos, refugia-se, com a mulher, em Paris, onde frequenta diversos grupos socialistas e operários. A sua actividade revolucionária, em Paris, leva as autoridades políticas a expulsá-lo de França. Obrigado a refugiar-se na Bélgica, continua aí as suas actividades de apoio ao movimento operário. A publicação do Manifesto da Partido Comunista irá provocar a sua expulsão da Bélgica, em 1848. Em 1849, exila-se definitivamente em Londres, onde passou a viver até à sua morte aos 65 anos de idade.
Durante os anos que viveu em Londres, Marx procede a um corte radical com a sua classe e o seu país de origem, tornando cada vez mais evidente o seu compromisso com o proletariado industrial, com quem se identificou, afirmando que os trabalhadores não têm pátria. Tal como ele não tinha. A par do corte radical com a classe burguesa, procedeu à rejeição quer do judaísmo quer do cristianismo. Viveu 34 anos em Londres, na companhia da mulher e dos filhos, onde prosseguiu os seus trabalhos de investigação sobre economia, passando grande parte do seu tempo a fazer pesquisa na Biblioteca do Museu Britânico. Valeu-lhe o apoio financeiro do seu amigo Frederich Engels, pois Marx nunca desenvolveu qualquer actividade profissional remunerada, tendo passado toda a sua vida a estudar, a escrever e a organizar os movimentos operários europeus. Três dos seus filhos morreram muito novos por falta de cuidados médicos e a sua família viveu sempre rodeada de grandes dificuldades económicas. Valeu-lhe, também, a extrema dedicação e afecto da mulher, Jenny von Westphalen, com quem começou por travar amizade ainda muito novo.
Quando estudou nas Universidades de Berlim e de Iena, assimilou as teses da esquerda hegeliana sobre o papel da dialéctica na compreensão do processo histórico. Quando viveu em Paris teve oportunidade de conviver e apreciar as teses de Saint-Simon sobre a luta de classes como motor da História e as teses de Ludwig Feuerbach sobre a relação entre as condições materiais e a vida social. Foi, no entanto, com o estudo dos economistas clássicos ingleses, principalmente David Ricardo, que Marx irá desenvolver a sua teoria económica.
Os seus estudos de economia foram reunidos em três volumes, com o título O Capital, os dois últimos publicados por Engels, após a sua morte. Destacou-se na direcção da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada, em Londres, em 1864. Em 1882, um ano depois da morte da sua mulher, Marx fez uma viagem a França, Suiça e Argélia. Morreu, em 1883, sentado na cadeira do seu escritório, onde dormia, após longos meses de doença grave, agravada pela morte da sua mulher e da sua filha mais velha..
Para além de O Capital, Marx deixou um número considerável de ensaios e tratados sobre História, Política e Sociologia, com destaque para Os Manuscritos Económico-Filosóficos; Manifesto do Partido Comunista; Contributo para a Crítica da Economia Política; Miséria da Filosofia; A Ideologia Alemã; Crítica da Filosofia do Direito de Hegel; A Guerra Civil em França; Crítica do Programa de Gotha.
È costume distinguir dois períodos no trabalho intelectual de Marx. O primeiro, chamado de Marx jovem, inclui os escritos aparecidos entre 1841 e 1848. São desse período a Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e o Ensaio sobre a Questão Judaica. Escritos nesse período mas publicados após a morte de Marx, temos A Ideologia Alemã e os Manuscritos Económico-Filosóficos. O período de juventude termina com a escrita da Miséria da Filosofia, uma réplica ao livro de Proudhon, Filosofia da Miséria, e com a publicação da obra clássica, aparecida em 1848, Manifesto do Partido Comunista. O segundo período vai de 1848 até á sua morte. Durante esses 35 anos, Marx dedica-se apenas aos estudos económicos e sociológicos. A filosofia parece ter ficado para trás. Neste período, temos de destacar duas obras fundamentais: Contributo Para a Crítica da Economia Política e O Capital.
A Obra
As principais influências do pensamento de Karl Marx foram, "no plano das ideias: a influência do cientismo e do evolucionismo, com Darwin; do positivismo, com Ausgusto Comte; da escola clássica inglesa de economistas, na sua versão pessimista, com Malthus e Ricardo; do socialismo idealista, com Saint-Simon e Sismondi; do historicismo, então em voga na Alemanha; da filosofia dialéctica de Hegel; da conjugação do materialismo com a dialéctica, ensaiada por Feuerbach; e do estatismo tradicional alemão, representado por Fichte e Hegel" (1). No plano dos factos, Marx foi influenciado pelas consequências sociais da Revolução Industrial e o exemplo das lutas operárias a favor da redução do horário de trabalho e de melhores condições de vida.
O pensamento de Karl Marx é o exemplo perfeito da total submissão da ética à política e à economia. Só é possível descortinar uma ética marxiana pela análise das suas obras económicas e políticas. Desde logo, a recusa e o combate à ética cristã transparecem nas suas primeiras obras e percorrem todo o seu labor intelectual.
Marx começa por ser um hegeliano de esquerda, aceitando a filosofia dialéctica hegeliana, mas invertendo os termos dessa dialéctica. Ao idealismo hegeliano, contrapõe o materialismo dialéctico. Ao idealismo histórico, opõe o materialismo histórico. Enquanto Hegel via na burguesia prussiana o sentido culminante da História, Marx olhava para o proletariado industrial nascente como o portador do futuro.
Para compreender a teoria da história marxiana é preciso começar por analisar a teoria da história hegeliana. Hegel entende que a história é a evolução da ideia e na evolução histórica o papel fundamental cabe sempre à antítese. Só a luta, a oposição, ou mesmo a guerra, é criadora, pois só do confronto surge a síntese, e só esta comporta novidade e mudança e só ela faz ouvir a história. Marx aceita este quadro, mas inverte-o. A história é entendida como o produto da luta de classes e a luta de classes é vista como o motor da história. A história evolui, acompanhando a evolução da luta de classes. Quando houver uma sociedade sem classes, assistimos ao fim da história. O comunismo seria, no entender de Marx, esse fim da história. Como é que Marx explica a evolução histórica? Numa primeira fase (tese), havia uma sociedade sem classes, a que Marx e Engels chamaram de comunismo primitivo, com partilha integral de bens
por todos. Numa segunda fase, aparece a propriedade privada dos meios de produção (antítese). É, nessa altura, que começa a luta de classes. A antítese englobou uma evolução das relações de produção que passou do regime esclavagista, para o regime feudal e para o regime capitalista. Com o regime esclavagista atinge-se o ponto culminante da luta de classes. O regime socialista corresponde à síntese. A diferença entre Marx e Hegel é que, para o primeiro, eram as ideias que conduziam a história e, para o segundo, são as forças materiais que determinam a evolução da história. Esta alteração radical, do idealismo para o materialismo, foi feita por Marx a partir das leituras de Feuerbach (1804-1872), um hegeliano de esquerda que aderiu ao materialismo. Feuerbach substituiu a Ideia hegeliana pelo Homem e inverteu a concepção cristã da criação do Homem por Deus. Marx aproveita essa inversão e transpõe a inversão para o plano do estado e do poder político. Apoiando-se em Feuerbach, Karl Marx estabelece um paralelo entre a alienação dos cristãos e a alienação dos trabalhadores. Os primeiros alienaram-se a Deus e, os segundos, ao capital. Como podemos explicar a alienação? A educação burguesa, os meios de comunicação social, os tribunais, as Igrejas e os exércitos mantêm o povo numa situação de dependência económica e cultural, levando a crer que tal dependência é legítima e necessária. Foi por essa razão que Marx apelidou a religião de ópio do povo. O cientista político Raymond Aron havia de devolver a acusação, afirmando que o marxismo se tornara o ópio dos intelectuais.
Karl Marx considera que "as ideias dominantes em certa época ou em certo país não são ideias puras, não descendem de Deus ou da Razão, nem são elas que comandam a vida e encaminham a história: tais ideias não são mais do que o reflexo das relações materiais (económicas e sociais) entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre dominadores e dominados. Quem conduz a evolução da história, portanto, não é Deus, nem as ideias, nem os homens, ou sequer os grandes homens: são as forças materiais, as forças económicas, as forças produtivas" (3). A infra-estrutura, ou seja, o conjunto das forças económicas e das relações de produção, determina a super-estrutura, constituída pelo sistema educativo, a religião, a arte, a cultura, o direito e o Estado. O materialismo histórico pressupõe a defesa da tese de que os factores materiais (forças produtivas e relações económicas) são as condições determinantes da história. A subordinação das ideias, da cultura, da religião, da arte e da política às forças produtivas constitui a tese central do pensamento marxiano.
A religião e a moral fazem parte da superestrutura e estão sempre ao serviço da classe dominante. Constituem, no dizer de Marx, as grandes fontes geradoras da alienação dos cidadãos: "a função da religião é uma função de classe, é dar aos proprietários (ricos) uma justificação para a legitimidade do seu domínio sobre os proletários, e é dar aos proletários (pobres) uma ilusão sobre as condições da sua vida, pois assim eles alienam-se através da religião, projectando para um futuro distante - o paraíso depois da morte - o bem-estar e a felicidade a que têm direito em vida neste mundo" (4).
Numa sociedade sem classes não há lugar para a religião pela simples razão de que a religião só é precisa para manter e justificar as desigualdades sociais e a alienação. Contudo, a moral, embora esteja sempre ao serviço da classe dominante, não irá desaparecer com o comunismo, porque ela varia de acordo com o tipo de sociedade e o regime económico. Assim, no regime esclavagista, havia uma moral esclavagista, no regime feudal, uma moral feudal, no regime capitalista, uma moral capitalista e, no regime socialista, haverá uma moral socialista. Qual é a função da moral? A moral exerce a função de "protecção do modo de produção e das estruturas de classe em cada tipo de sociedade: cada modo de produção gera determinadas ideias e sentimentos sobre
o bem e o mal, que são necessários para manter esse modo de produção. Tudo o que constitua forma de o manter é moralmente bom; tudo o que possa pô-lo em perigo ou contrariá-lo é moralmente mau. Ora, como na sociedade burguesa há luta de classes, há necessariamente uma moralidade de classe - conservadora ou revolucionária. Existe assim um relativismo da moral: a moralidade burguesa é uma coisa e a moralidade proletária é outra, porque para esta é justo tudo aquilo que conduzir à derrota da burguesia e à vitória do proletariado - mesmo que para tanto seja preciso mentir, trair, matar ou roubar, atitudes que a moral burguesa condena" (5). Foram Lenin, Stalin e Mao que levaram até ao limite esta concepção moral relativista que Marx apenas desenhou. Com o objectivo de legitimar moralmente a tortura, a crueldade e a tirania, Mao afirmava: a Revolução não é um convite para jantar! Lenin foi o primeiro a fazer da mentira sistemática, através da falsificação de relatórios, apagamento de arquivos e manipulação das assembleias, para legitimar a finalidade última: a criação de uma sociedade socialista. Stalin levou ao paroxismo o relativismo moral, afirmando, em palavras e acções, durante as três décadas de exercício de poder totalitário, que os fins justificam todos os meios, mesmo que fosse necessário recorrer a meios como os "gulags", o trabalho escravo, a matança generalizada de camponeses e a destruição dos camaradas que se tornavam incómodos.
No fundo, todos eles aprenderam com Marx que a moral não existe fora da sociedade, que não há leis morais eternas nem leis naturais. A moral depende das condições económicas e está ao serviço da classe dominante. Numa sociedade esmagada pela ditadura do proletariado, a moral está ao serviço da luta de classes e do partido dirigente.
Levando a sua tese até às últimas consequências, Marx defende a emergência de um homem novo, a par de uma nova moral, ambos possíveis a partir do momento em que for possível abolir as classes sociais. Fazendo lembrar a utopia platónica, Marx antevê a criação de uma sociedade de iguais que partilham tudo entre si e desconhecem o egoísmo. A abolição da família, do casamento e da monogamia estão entre as primeiras medidas a tomar na sociedade comunista. No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels fazem a defesa da partilha das mulheres, das uniões livres e da abolição total da propriedade privada. Deixa de ser necessário a existência de Estado, exércitos, polícias, Igrejas e família. Infelizmente, o século XX conheceu várias tentativas, extremamente cruéis, de imposição do "homem novo" e da "nova moral". Todas essas experiências fracassaram, deixando atrás de si um rol de assassinatos em massa, pobreza generalizada, atraso tecnológico e destruição.
Um dos críticos mais inteligentes da teoria de Marx foi Raymond Aron. No livro As Etapas do Pensamento Sociológico, Aron afirma que se pode explicar " o pensamento de Marx pela conjunção de três influências, enumeradas pelo próprio Engels: a filosofia alemã, a economia inglesa e a ciência histórica francesa...Marx e Engels pensavam situar-se na esteira da filosofia clássica alemã por conservarem uma das ideias-mestras do pensamento de Hegel, a saber, que a sucessão das sociedades e dos regimes representa simultaneamente as etapas da filosofia e as etapas da humanidade. Por outro lado, Marx estudou a economia inglesa; serviu-se dos conceitos dos economistas ingleses; retomou algumas das teorias aceites do seu tempo, por exemplo a teoria do valor-trabalho, ou a lei da baixa tendencial da taxa de lucro, temas que eram de resto explicados de modo diferente do usado por ele. Pensou que retomando os conceitos e as teorias dos economistas ingleses, obteria uma fórmula cientificamente rigorosa da economia capitalista. Por fim, foi buscar aos historiadores e aos socialistas franceses a noção de luta de classes" (6). Acrescentou, no entanto, uma noção fundamental: a tese de que a luta de classes é datada no tempo; não existia na fase
do comunismo primitivo e deixará de existir quando for possível construir a nova sociedade comunista. Marx foi profundamente influenciado pela teoria da história hegeliana. Limitou-se a inverter os termos dessa teoria. Onde Hegel considerava que o regime prussiano constituía síntese que permitia anunciar o fim da história, colocou Marx o comunismo. Para Marx, a filosofia clássica alemã chegara ao seu termo com o sistema filosófico de Hegel. Marx anuncia, assim, o fim da filosofia. Na última das onze teses sobre Feuerbach, Marx afirma: "os filósofos têm-se limitado a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas trata-se doravante de o transformar". O relativismo moral de Marx surge associado ao seu determinismo histórico. Considerava que o devir histórico era passível de ser conhecido antecipadamente e acrescentava que o comunismo como última etapa da evolução histórica era inevitável. Esta posição faz-nos lembrar a crença dos primeiros cristãos num devir histórico predeterminado e consubstanciado na ideia do fim do mundo e da ressurreição. Há, na verdade, alguma sintonia entre a visão determinista da história de Marx e a visão messiânica dos primeiros cristãos.
A sociedade capitalista mutila o homem com a divisão do trabalho. O homem vulgar "permanece encerrado durante a maior parte da sua existência numa actividade parcelar, deixando portanto por usar numerosas aptidões e capacidades que poderia desenvolver" (7). E é a divisão social do trabalho que impõe as condições de desumanização e alienação do homem. Há duas modalidades da alienação económica: a alienação que resulta da apropriação privada dos meios de produção e a que é gerada pela anarquia do mercado. No primeiro caso, assiste-se à perda das características humanas do trabalho, uma vez que o trabalho se vê remetido a um instrumento para ganhar o sustento. No segundo caso, o mercado deixa de satisfazer as necessidades humanas para se tornar num fetiche ao serviço do qual se colocam os homens. Em Marx, a crítica à economia capitalista é, também, a crítica à moral capitalista, porque esta depende daquela. Na sociedade comunista, estarão criadas as condições, pensava Marx, para a humanização total do homem, graças ao fim da exploração do homem pelo homem, à ausência de alienação e à redução radical do horário de trabalho, de forma que o alargamento dos tempo livres permitisse a cada um a livre satisfação das suas vocações.
A natureza da ética de Marx compreende-se melhor se lembrarmos o seu conceito de ideologia. Marx define ideologia como falsa consciência ou representação falsa da realidade. Marx considerava que cada classe social possui a sua própria representação da realidade, sendo, por essa razão, que defendia para cada classe a sua moral. Ou seja, cada classe social só é capaz de ver e interpretar o mundo e a realidade em função da sua própria situação. O catálogo de direitos e de deveres das sociedades capitalistas não passa, por isso, da representação jurídica que serve os interesses da classe dominante. O mesmo poderemos dizer para a tábua de virtudes dominante em cada sociedade. Esta argumentação de Marx pode ser usada para rejeitar a teoria marxiana. Repare-se: se as ideologias têm sempre um carácter de classe, não passando de falsas representações da realidade, então não é possível afirmar que uma ideologia seja superior a qualquer outra. Ao relativismo ético de Marx, há que acrescentar o seu relativismo intelectual. Num caso e noutro, a teoria de Marx é um enorme subjectivismo. O modelo de argumentação de Marx só podia conduzi a um cepticismo intelectual radical, para o qual todas as ideologias são equivalentes e igualmente falsas e para o qual todas as éticas são mentiras e ilusões. Aqui, vemos como a ética de Marx se aproxima da ética de Nietzsche.
Marx considera que a ética, como qualquer outra componente da superestrutura, é condicionada e determinada pelo modo de produção dominante. Em conformidade,
defende que "não é a consciência dos homens que determina a sua natureza, mas, pelo contrário, é a sua natureza social que determina a sua consciência. Num certo grau de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não passa da sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no interior das quais até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações tornam-se obstáculos a essas forças. Inicia-se então uma época de revolução social. Com a modificação das bases económicas, toda a colossal superestrutura é mais ou menos transformada. Quando consideramos semelhantes transformações, devemos sempre distinguir entre a destruição material das condições económicas da produção - verificáveis por meio das ciências da natureza -,e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas, através das quais os homens tomam consciência deste conflito e o solucionam" (8).
A superestrutura, ou seja, o direito, a educação, a religião, a arte e a moral, alimenta-se das ilusões e depende absolutamente das condições materiais de existência: "sobre as diversas formas de propriedade, sobre as condições sociais de existência, ergue-se toda uma superestrutura de impressões, de ilusões, de maneiras de pensar, e de concepções de vida diversas e moldadas de uma maneira específica. A classe no seu todo, cria-as e forma-as a partir das suas bases materiais e das relações sociais correspondentes. O indivíduo isolado, a quem são transmitidas pela tradição e pela educação, pode julgar que elas são a razão determinante e o ponto de partida da acção" (9). E Marx acrescenta: "os pensamentos das classes dominantes são, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, o mesmo será dizer que a classe, que é o poder material dominante na sociedade, também é o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material, dispõe também por esse motivo dos meios de produção espiritual. Os pensamentos dominantes não passam da expressão ideológica das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidos sob a forma de pensamentos, portanto, as relações que fazem da classe uma classe dominante, e por conseguinte, os pensamentos do seu domínio. Os indivíduos que compõem a classe dominante e estão conscientes e pensam; na medida em que dominam, enquanto classe, determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é evidente que a determinam em todos os seus aspectos, e que, portanto, dominam, entre outras coisas, enquanto seres pensantes, enquanto produtores de pensamentos, que fixam a produção e a distribuição dos pensamentos do seu tempo; que por conseguinte os seus pensamentos são os pensamentos dominantes da época" (10). É, por isso, que Marx pode dizer, sem perder a coerência que "as leis morais, a religião são para o proletário outros tantos preconceitos burgueses, por detrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses" (11). E sobre o carácter falacioso das ideias morais da sociedade burguesa, Marx ironiza: "justiça, humanidade, liberdade, igualdade, fraternidade, independência, estas categorias mais ou menos morais que soam tão bem, mas que, nas questões históricas e políticas não provam absolutamente nada. A justiça, a humanidade, a liberdade, etc., podem pedir mil vezes isto ou aquilo; mas se a coisa for impossível, não se faz e continua a ser uma quimera...Senhores, não se deixem intimidar pelo substantivo abstracto liberdade. Liberdade de quem? Não é a liberdade de um simples indivíduo, em presença de um outro indivíduo. É a liberdade que o capital tem para esmagar o trabalhador" (12).
O que é, então, a moral? "É a impotência posta em acção. Todas as vezes que luta contra um vício é vencida. E Rodolfo nem sequer se eleva ao ponto de vista da moral independente, que, ela pelo menos, assenta na consciência da dignidade. A sua moral, pelo contrário, assenta na consciência da fraqueza humana. É a moral teológica.
As proezas que realiza com as suas ideias fixas, cristãs, com as quais mede o mundo, a caridade, a dedicação, a abnegação, o arrependimento, os bons e os maus, a recompensa e a punição, os castigos terríveis, o isolamento, a salvação da alma, analisamo-las pormenorizadamente e desmascaramo-las como farsas" (13).
Por fim, vejamos como Marx se posiciona face à religião, considerada, por ele, como o ópio do povo: "desejo em seguida, na crítica das condições políticas, criticar mais a religião do que as condições políticas na religião...A religião é um vazio em si própria, não é o céu mas a terra que a fazem viver, e com a dissolução da realidade absurda de que é a teoria, desmorona-se sozinha...E toda a crítica deve ser precedida pela crítica da religião...A destruição da religião, enquanto felicidade ilusória do povo, é uma exigência da sua felicidade real. Exigir a renúncia às suas ilusões sobre a situação é exigir a renúncia a uma situação que necessita de ilusões. Portanto, a crítica da religião é no seu germe a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola" (14).
Notas
1) Freitas do Amaral, D. (1998). História das Ideias Políticas - Vol II. Lisboa: Edição de Autor
2) Idem, p. 152
3) Ibid, p. 155
4) Ibid, p. 163
5) Ibid, p. 164
6) Aron, R. (1991). As Etapas do Pensamento Sociológico. Lisboa: Publicações D. Quixote, p.166
7) Idem, p. 169
8) Marx, K. (1975). Textos Filosóficos. Lisboa: Editorial Estampa, p. 61
9) Idem, p. 66
10) Idem, p. 92
11) Ibid, p. 100
12) Ibid, p. 195
13) Ibid, p. 196
14) Ibid, p. 205

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