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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

António Fernandes Aleixo, morreu a 16 de Novembro de 1949




António Fernandes Aleixo, é  um autodidacta, este poeta popular algarvio, de vida acidentada e humano, morreu tuberculoso em Loulé. Foi tecelão, emigrante, pastor de cabras e cauteleiro. Percorria as feiras improvisando à guitarra ou vendendo folhas avulso com quadra e glosas. A sua poesia distingue-se pelo rigor de inspiração e de talhe e caracteriza-se por uma tendência conceptiva de qualidade. As primeiras edições da sua obra, disseminada oralmente, foram promovidas por Joaquim da Rocha Peixoto Magalhães, que recolheu sistematicamente todo o manancial, quer a partir do próprio autor, quer de amigos e conterrâneos.
Sua Obra:
Quando começo a cantar – (1943);
Intencionais – (1945);
Auto da vida e da morte – (1948);
Auto do curandeiro – (1950);
Auto do Ti Jaquim - incompleto;
Este livro que vos deixo – (1969) - reunião de toda a obra do poeta;
Inéditos – (1979); tendo sido, estes quatro últimos, publicados postumamente.

O poeta António Aleixo, cauteleiro e pastor de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pelas redondezas de Loulé ( Algarve - Portugal ) é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela poesia. Nasceu em Vila Real de Santo António a 18 de Fevereiro de 1899 e faleceu em Loulé a 16 de Novembro de 1949.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente em seus versos. Também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.
No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, imigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia, servente de pedreiro, trabalho este, que emigrado, também exerceu em França.
De regresso ao seu país natal, restabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de "poeta-cauteleiro". Faleceu por conta de uma tuberculose, em 16 de Novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.
Corrente do cancioneiro popular português
O termo "cancioneiro" é, em geral, atribuído à reunião de canções populares; cada uma das colecções da antiga poesia lírica portuguesa e galega, com início entre os séculos XI e XIII, reunidas sob a alçada de reis e príncipes e constituídas por composições de vários autores, de entre homens das diversas classes sociais, é o "cancioneiro" em língua portuguesa mais conhecido. No Algarve, na primeira metade do século XX, teria irrompido uma poderosa corrente de um novo cancioneiro popular português, a qual recebeu o nome do poeta semi-analfabeto que lhe teria "aberto as comportas": António Aleixo. Quem apontou essa corrente foram o artista plástico Tóssan também autor da imagem supra, e o professor de liceu Joaquim Magalhães, este último o professor do Liceu de Loulé e "descobridor" de António Aleixo, ao qual se deve o registo e publicação da obra do poeta popular algarvio e sua inclusão no sistema literário português.
Estilo literário
Poeta possuidor de uma rara espontaneidade, de um apurado sentido filosófico e notável pela «capacidade de expressão sintética de conceitos com conteúdo de pensamento moral», António Aleixo tinha por motivos de inspiração desde as brincadeiras dirigidas aos amigos até à crítica sofrida das injustiças da vida. É notável em sua poesia a expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida.
A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório literário. O poeta, que escrevia sempre usando a métrica mais comum na língua portuguesa (heptassílabos, em pequenas composições de quatro versos, conhecidas como "quadras" ou "trovas"), nunca teve a preocupação de registar suas composições. Apenas com o trabalho de Joaquim de Magalhães, que se dedicou a compilar os versos que lhe ditou o poeta no intuito de compor o primeiro volume de suas poesias ("Quando Começo a Cantar", e com o posterior registo pelo próprio poeta com o incentivo daquele mesmo professor, é que a obra de Aleixo recebeu algum registo escrito. Antes de Magalhães, contudo, alguns amigos do poeta lançaram folhetos avulsos com quadras por ele compostas, mais no intuito, à época, de angariar algum dinheiro que ajudasse o poeta em uma situação de miséria que com a intenção maior de permanência da obra na forma escrita.
Estudiosos de António Aleixo ainda conjugam esforços no sentido de reunir o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários pontos do Algarve, algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus de poesia - nos quais era incentivado por Joaquim de Magalhães a registrar seus poemas, já que antes os produzia espontaneamente em suas apresentações em feiras e praças públicas, sem a preocupação de publicação - foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo pelo desconhecimento de seus vizinhos. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.
A opinião pública e reconhecidos amigos
A partir da descoberta de Joaquim de Magalhães, o grande responsável por "passar a limpo" e registar a obra do poeta, António Aleixo passou a ser apreciado por inúmeras figuras da sociedade. Também é digno de registo José Rosa Madeira, que o protegeu, divulgou e coleccionou os seus escritos, contribuindo no lançamento do primeiro livro, "quando Começo a Cantar" (1943), editado pelo Círculo Cultural do Algarve.
A opinião pública aceitou a primeira obra de António Aleixo com bom agrado, sendo bem acolhido pela crítica. Com uma tiragem de 1.100 exemplares, o livro esgotou-se em poucos dias, o que proporciona a Aleixo uma pequena melhoria de vida, que é ensombrada pela morte de uma sua filha, doente com tuberculose. Desta mesma doença viria o poeta a sofrer pelos tratamentos que vida lhe foi impondo, tendo que ser internado no Hospital – Sanatório dos Covões, em Coimbra, a 28 de Junho de 1943.
Em Coimbra começa uma nova era para o poeta que descobre novas amizades e deleita-se com novos admiradores, que reconhecem o seu talento, de destacar o Dr. Armando Gonçalves, o escritor Miguel Torga e António Santos (Tossan), o artista plástico e autor da mais conhecida imagem do poeta algarvio, amigo do poeta que nunca o desamparou nas horas difíceis. Os seus últimos anos de vida foram passados, ora no sanatório, em Coimbra, ora no Algarve, em Loulé.

Os Derradeiros momentos de António Aleixo:
Caro Senhor Dr. Joaquim Magalhães;
Saúde! E boa vontade!
Este é o rogo do moribundo. Pasmo como ainda lhe sobra vontade para querer alguma coisa.
Deve ter adivinhado que se trata do Aleixo. Ele mandou-me chamar hoje. Fui encontrá-lo medonhamente acabado. Olhou-me quando entrei e creio que lhe faltavam as forças para o fazer mais vezes. Enquanto me falou, - com esforço visível, num sopro enrouquecido, - fitava alguma coisa, longe ou perto com a lividez gelada da última hora. Pasmei como se poderia interessar por alguma coisa.
Falou-me do livro e pediu-me que telefonasse ainda hoje a desistir da publicação. Disse-me que desistia e que com o dinheiro ia dar de comer à família que ultimamente vem passando mal… É claro que lhe tirei isso do sentido; pelo menos fiz o possível dizendo-lhe que não, que isso era mal pensado e que ele tinha a obrigação de pensar (como se já lhe assistisse qualquer espécie de obrigação) na receita que poderia advir do livro em proveito da família, da sua relativa continuidade, etc, etc. Disse-lhe ainda que escreveria ao Sr. Dr. no sentido de apressar o mais possível a impressão do livro, - argumento com que o convenci a não fazer a asneira da desistência. Prometi escrever ao Sr. Ainda hoje e lá o deixei mais ou menos consolado com a ideia de que tudo se iria passar rapidamente, não como seria a nossa vontade mas dentro das possibilidades de que dispomos. Consolei-o dizendo que todas as pessoas que mais ou menos contribuem para a publicação do livro estão a fazer o que podem nesse sentido e com toda a boa vontade - Na verdade, creio que por mais depressa que o assunto se resolva não virá a horas de lhe dar a satisfação que ele vê fugir, - a sua grande e última satisfação. Penso que poucas horas lhe restarão. Demais ele já não come há dois dias. Todo o volume que ele faz no leito não excede o de uma criança de poucos anos. Todavia há que pensar na miséria que o rodeia e que muito se acentuará depois do seu último dia. Talvez por isso ele peça por meu intermédio ao Sr. Dr. Magalhães toda a urgência.
Por mim espero que o Sr. Dr. Magalhães fará o possível, assim como já terá dado alguns passos no sentido de regularizar os registos de autor do Aleixo, dos quais ele me falou hoje e a que eu lhe respondi que o Sr. andava a tratar do caso como lhe era possível.
Posto o que ficou dito, fico em boa consciência pensando que nada mais poderia fazer.
Recomendo-me e cumprimento-o respeitosamente
Armando Gonçalves  (médico que assistiu Aleixo no Sanatório dos Covões - Coimbra)



QUADRAS POPULARES - de António Aleixo

Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.
«»
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
«»
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
«»
 P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
«»
 Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.
«»
 A vida na grande terra   
corrompe a humanidade. 
Entre a cidade e a serra 
prefiro a serra à cidade.
«»
 Eu não sei porque razão  
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.
«»
Uma mosca sem valor  
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
«»
  Num arranco de loucura,   
filha desta confusão,
vai todo o mundo à procura
daquilo que tem à mão.
«»
Entre leigos ou letrados,  
fala só de vez em quando,
que nós, às vezes, calados,
dizemos mais que falando.
«»
Quando te vês mal, e dizes  
que preferias a morte,
pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte.
«»
Tem a música o poder   
de tornar o homem feliz;
nem há quem saiba dizer
tanto quanto ela nos diz.
«»
Gosto do preto no branco,   
como costumam dizer:
antes perder por ser franco
que ganhar por não ser.
«»
Queremos ver sempre à distância   
o que não está descoberto,
Sem ligarmos importância
ao que está à vista e perto.
«»
Sei que umas quadras são conselhos 
que vos dou de boa fé;   
outras são finos espelhos
onde o leitor vê quem é.
«»
Quantas sedas aí vão,   
quantos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!
«»
Quando não tenhas à mão   
outro livro mais distinto,
lê estes versos que são
filhos da mágoa que sinto.
«»
Julgam-me mui sabedor
E é tão grande o meu saber
Que desconheço o valor
Das quadras que sei fazer!
«»
A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito
«»
Nos versos que se improvisem,
Os poetas sabem ler,
Para além do que eles dizem,
Tudo o que querem dizer
«»
Falemos sinceramente,
Como p'ra nós mesmos, a sós;
Lá longe de toda a gente,
Do mundo, e até de nós
«»
Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade,
ninguém crê no que ele diz
«»
Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.
«»
A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente
«»
Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles sejam
O que os Homens são no fundo.
Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.
«»
À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra
«»
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
«»
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.
«»
Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro;
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.
«»
O mundo só pode ser  
melhor do que até aqui,
- quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!
«»
Bate a fome à porta deles   
e é lá mais mal recebida
do que na casa daqueles
que a sofreram toda a vida.
«»
  Para não fazeres ofensas  
e teres dias felizes,
não digas tudo o que pensas,
mas pensa tudo o que dizes.
«»
Vinho que vai para vinagre  
não retrocede o caminho;
só por obra de milagre,
pode de novo ser vinho.
«»
Eu não tenho vistas largas,  
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
«»
Mentiu com habilidade, 
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade
ninguém crê no que ele diz.
«»
Quando os homens se convençam   
que a força nada faz,
serão felizes os que pensam
num mundo de amor e paz.
«»
Não sou esperto nem bruto,  
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
«»
Porque será que nós temos   
na frente, aos montes, aos molhos,
tantas coisas que não vemos
nem mesmo perto dos olhos?
«»
 Vemos gente bem vestida,  
no aspecto desassombrada;
são tudo ilusões da vida,
tudo é miséria dourada.
«»
Julgam-me mui sabedor;   
e é tão grande o meu saber
que desconheço o valor
das quadras que sei fazer.
«»
Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P’ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.
«»
Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem de comer,
se alguém disser que tem fome,
comete um crime, sem querer
«»
Nada direi, mas, enfim,
Vou ter a grande alegria
De a Arte dizer por mim
Tudo quanto eu vos diria
«»
Falemos sinceramente,
Como p'ra nós mesmos, a sós;
Lá longe de toda a gente,
Do mundo, e até de nós
«»
Após um dia tristonho
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias
«»
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós
«»
Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão f’lizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.
«»
Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.
«»
Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

 

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