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sábado, 27 de novembro de 2010

Claude Lévi-Strauss, nasceu a 28 de Novembro de 1908



Claude Lévi-Strauss e a estética do social

por Paulo Tunhas, Publicado em 04 de Novembro de 2009   
O antropólogo e etnólogo Claude Lévi-Strauss morreu na madrugada de sábado para domingo. Aos 100 anos. Merece ser recordado como o grande pensador dos mitos. Musical
Grande pensador dos mitos, Claude Lévi-Strauss (1908-2009), o último estruturalista, foi igualmente um pensador habitado pelo espírito da música. Creio que gostaria de ser recordado também por isso. A "abertura" do primeiro volume das "Mitológicas", "O cru e o cozido" é, deste ponto de vista, o texto fundamental. A música actualiza o mito, o estudo dos mitos é um estudo "musical" - Lévi-Strauss admirava particularmente Wagner, em que mito e música igualmente se cruzam. E se a algum etnólogo convém o qualificativo de "esteta" é sem dúvida a este severo investigador. Ele próprio dizia aceitar "o qualificativo de esteta", na medida em que acreditava "que o fim último das ciências humanas não é constituir o homem, mas dissolvê-lo".

O programa de Lévi-Strauss consistiu, pelo menos em parte, em definir as condições mínimas, estruturais, de todo o pensamento, uma "lógica elementar, que é algo como o mais pequeno denominador comum de todo o pensamento", a "expressão directa da estrutura do espírito (e, por trás do espírito, sem dúvida do cérebro)", uma "lógica das oposições e das correlações, das exclusões e das inclusões, das compatibilidades e das incompatibilidades". Os "sistemas conceptuais míticos" apareciam-lhe como "meios de pensar" - os seus mitos de base foram quase sempre os mitos ameríndios, com os quais contactou primeiro ao longo da sua estada no Brasil, belamente narrada em "Tristes Trópicos", e depois aquando do seu exílio nos Estados Unidos, judeu fugido do nazismo.

O que interessava a Lévi-Strauss era a invariância das estruturas do espírito: uma espécie de "kantismo vulgar", como uma vez disse. Um tal programa conduziu-o, na busca da "arquitectura do espírito", à determinação de uma "lógica das qualidades sensíveis", uma "lógica qualitativa", uma "lógica do concreto", que se prolongava numa "lógica das formas". Tal lógica é a lógica do "pensamento selvagem". O pensamento selvagem (título de uma das suas obras mais fundamentais) é um pensamento desinteressado, que testemunha de um natural prazer de conhecer - "um apetite de conhecer pelo prazer de conhecer", uma "tendência lógico-estética do espírito humano" - e de classificar, sobretudo a partir das relações de contiguidade e de semelhança.

Havia, para Lévi-Strauss, uma continuidade entre a intuição sensível, a percepção estética, a observação, por um lado, e a interpretação e o conhecimento, por outro. Os "elementos da reflexão mítica encontram-se sempre entre os perceptos e os conceitos". Trata-se de "transcender a oposição do sensível e do inteligível", de "atingir um plano em que as propriedades lógicas se manifestarão como atributos das coisas, tão directamente como os sabores ou os perfumes", "uma via média entre o exercício do pensamento lógico e a percepção estética". Tal continuidade prolonga a mais originária afinidade entre o homem e o mundo: "O homem e o mundo espelham-se um ao outro." O mundo animal e o mundo vegetal "propõem ao homem um método de pensamento", "as espécies naturais não são escolhidas por serem 'boas para comer', mas por serem 'boas para pensar'", numa sua frase célebre. E o conhecimento é o produto do bricolage, da fabricação com os materiais que estão à mão, e da "imaginação estética", e consiste numa série de transformações a partir de dados mínimos. Tais transformações são, devido à estrutura do espírito, forçosamente finitas: "O espírito humano move-se num campo limitado de possíveis", "trabalha com a ajuda de um repertório finito de estruturas formais".

Como se pode deduzir do que foi antes dito, Lévi-Strauss interessou-se sobretudo pelo aspecto estético do conhecimento e por aquilo que podemos talvez chamar a "estética do social". Uma tal concentração teve como consequência um relativo desinteresse pela questão da auto--instituição do sentido social: aparentemente, tudo o que há são combinações de signos, no interior de um número finito de possibilidades. Os homens "são pensados" por essas combinações de signos, "os mitos pensam-se entre si". Como escreveu Claude Lefort, em "Écrire, à l'épreuve du politique", criticando o programa estruturalista em antropologia, o que falta a uma tal concepção é sem dúvida a ideia de que "uma sociedade se define, se refere a si mesma, através de uma experiência singular do ser e do tempo". No entanto, apesar de uma célebre crítica a Sartre sobre a ilusória inteligibilidade do sentido histórico, Lévi-Strauss não ignorou a questão do sentido do social. Apenas que nele ela se encontrou sempre subordinada a uma maneira de pensar estética que nunca abandonou.

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